Lucas do Rio Verde completa seus 37 anos de emancipação político-administrativa. Antigo distrito de Diamantino, tornou-se município por meio da Lei Estadual 5.318, de 4 de julho de 1988. A data de 5 de agosto, em que se comemora o aniversário da cidade, remete à fundação do núcleo urbano, ocorrida em 5 de agosto de 1982.
Em 2018, quando o município completou 30 anos de emancipação, o Folha Verde publicou uma série de entrevistas especiais com pioneiros e pessoas que sempre participaram de forma direta da organização social e política da comunidade. O intuito era contribuir para que os novos luverdenses conhecessem a história da jovem cidade, e colaborar para que essa história permaneça viva entre os moradores que ajudaram a fazer de Lucas do Rio Verde a cidade pujante e progressista que todos conhecemos.
Dentre os muitos entrevistados daquela série especial, está o agricultor Antônio Isaac Fraga Lira, que chegou à região em meados de 1976 e foi o primeiro vereador eleito por Lucas do Rio Verde (1983/1988), quando ainda pertencia a Diamantino.
Neste 5 de agosto de 2025, republicamos a entrevista na íntegra, como homenagem aos pioneiros e a todos os luverdenses que fazem Lucas do Rio Verde prosperar.

A entrevista
FOLHA VERDE: Como vereador, o senhor foi autor do projeto de lei que criou o Distrito de Lucas do Rio Verde e também integrou a comissão de emancipação. Como foi essa luta?
LIRA: Lançamos a pedra fundamental da cidade em 5 de agosto de 1982, tudo estava iniciando, o INCRA tinha recém-concluído o assentamento dos parceleiros que vieram de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. Na época, nós tínhamos aqui também os posseiros, eram 85 famílias que estavam trabalhando na terra desde meados de 1970, alguns com documento, mas a maioria sem documento das áreas. Mesmo quem tinha documento, como era o meu caso, foi desapropriado pelo INCRA, por causa do assentamento. Então, esse grupo de posseiros organizou uma comissão para atuar junto ao governo e ao INCRA e defender a permanência no projeto de assentamento. Em razão disso, esse grupo viu a necessidade de entrar na vida política, e como eu era um dos poucos que tinha domicílio eleitoral em Diamantino, fui escolhido para ser candidato a vereador. Fui eleito, assumi a vereança no início de 1983 e começamos um trabalho de formiguinha, porque não tinha nada aqui, Lucas do Rio Verde não era ninguém, tudo estava começando. Iniciamos a luta para conseguir o primeiro motor para gerar energia, formamos comissão para reivindicar junto ao governo do Estado. Das famílias que já residiam na vila, alguns tinham seu motorzinho que ligavam duas a três horas à noite, outros não tinham nem isso. Nós começamos um trabalho, em primeiro lugar, para criar o distrito. Nesta época, Nova Mutum e Tapurah já eram distritos de Diamantino e Lucas fazia parte do distrito de Nova Mutum, e para criar nosso distrito a gente precisava buscar território dentro dos distritos de Nova Mutum e Tapurah, porque estávamos no limite, do outro lado do Rio Verde já era Sorriso. Enfrentamos um sério problema, porque Nova Mutum não queria ceder área e Tapurah também não, porque eles já pensavam em se tornar municípios e, a partir do momento que delimitasse as áreas dos distritos, automaticamente, estariam delimitadas as áreas dos futuros municípios, como na verdade aconteceu. Por isso que demorou para aprovar a criação do nosso distrito, iniciamos o trabalho em 1983 e o distrito só foi instalado em 1986, três anos depois, foi uma luta bem significativa, trouxemos uma sessão da Câmara aqui para Lucas, levamos uma sessão da Câmara para Novo Eldorado, que também já trabalhava para ser distrito. Diamantino nunca nos deu apoio, então, nosso trabalho foi mesmo junto ao governo do Estado. Foi uma luta árdua, em que fui até ameaçado de morte. Eu morava na fazenda, tinha dois filhos pequenos, minha esposa ficava sozinha com as crianças, eu ia a Cuiabá com o meu carro, despesas por minha conta, dei o sangue para defender a nossa luta, mas conseguimos, deu tudo certo. Conseguimos, depois de muito trabalho, delimitar a área e criar o distrito. A partir daí, já iniciamos a luta pela emancipação.
FOLHA VERDE: E como foi a caminhada pela emancipação?
LIRA: Criamos uma comissão. Eu fazia parte como vereador, o Ivo Deunner, que era executor do INCRA na época, o Guimorvam Pinto, que já não mora mais em Lucas, mas foi um grande batalhador nesta luta. E faziam parte outras três pessoas, que já faleceram e estão com Deus: o ‘seo’ Nari Pandolfi, o ‘seo’ Santiago Roa e o Dr. Willians Reinaldo de Andrade. O então deputado José Lacerda foi nosso apoio grande, ele que abraçou a causa e foi o autor do projeto de lei na Assembleia Legislativa para criação do município. Infelizmente, por desconhecimento nosso e falta de informação dos próprios deputados, a gente não sabia que para criar o município podia reivindicar área de outros municípios. A gente podia ter passado o rio e ter agregado Primaverinha, Vale do Verde, Morocó, que sempre foi Lucas, só não é no papel, foi uma pena, a gente poderia ter um município maior, mas ficamos com um município bem compacto, bom de administrar. A luta pela emancipação também foi árdua, porque Diamantino não tinha interesse no desmembramento, até porque foram desmembrados de Diamantino quatro municípios de uma só vez: Lucas, Tapurah, Nova Mutum e Campo Novo do Parecis, para Diamantino foi uma perda muito grande, com razão, eles tinham que brigar para não deixar acontecer. Importante é que toda vez que tinha alguma discussão importante na Câmara, eu convocava o pessoal aqui de Lucas e o pessoal se organizava e ia me dar apoio. Isso foi muito importante para o sucesso de nossas lutas, tanto pela criação do distrito, quanto pela emancipação, implantação da energia elétrica.
FOLHA VERDE: Pelo seu relato, a organização, união e participação da comunidade foram os grandes diferenciais de Lucas do Rio Verde desde o início da cidade?
LIRA: Com certeza. Eu era vereador, mas se eu não tivesse apoio da comunidade, até para subir na tribuna e falar das necessidades de Lucas ficava difícil. A participação das lideranças foi fundamental. Foi criada a Associação Comunitária, que também foi muito importante nessa caminhada toda, inclusive os primeiros postes da rede de energia elétrica foram adquiridos através da Associação, depois também os motores para a usina termoelétrica, tudo foi via Associação Comunitária. A luta foi boa, valeu a pena, tivemos muitos desafios, mas deu tudo certo. A partir da emancipação e instalação da prefeitura, aí veio a organização para buscar outras conquistas. Hoje, Lucas do Rio Verde é uma princesa, uma cidade marcante, que chama a atenção do Brasil inteiro, quem chega aqui hoje não tem ideia de como isso tudo aconteceu. Lucas é o que é pela união das lideranças. Nós aqui sempre fomos muito unidos, mesmo depois da emancipação, quando vieram as disputas pela prefeitura, terminada a eleição, quem ganhou assumiu, quem não ganhou vestiu a camisa e trabalhou junto, isso é importante. Exemplo disso foi a Expolucas, dentro dela, desde as primeiras edições, nasceram as principais ideias para o desenvolvimento de Lucas do Rio Verde. Considero que foi muito relevante para o sucesso do nosso município a união das lideranças.
FOLHA VERDE: Se tivesse que voltar atrás, o senhor faria de novo tudo o que fez pelo município?
LIRA: Não me arrependo de nada, não. Foi bacana, tenho orgulho de ter participado disso tudo. Quando fui eleito vereador eu era muito novo, tinha 24 anos, pouco estudo, conhecia nada de política, nem sabia o que era ser um vereador, mas encarei, aprendi muito com isso também, trabalhei muito, me esforcei, dei o que eu pude, talvez podia ter feito mais, mas tenho orgulho de ter participado, de ter colocado meu nome na história e ter ajudado a construir nossa vila, que se tornou essa cidade que hoje orgulha a todos. Lucas é uma cidade que causa inveja a muita gente. Temos um time de futebol que até o final do ano estava jogando na segunda divisão do futebol brasileiro, o que muitas capitais não têm, como Manaus, Campo Grande e várias outras. Um time que encarou times grandes, como o Corinthians, o Internacional. Isso levou nosso nome para o Brasil inteiro. Nessa nossa trajetória enfrentamos muitas coisas difíceis, foi uma luta árdua, mas valeu a pena e eu faria tudo de novo.
FOLHA VERDE: O que dizer para os jovens e adolescentes que estão crescendo com essa cidade e o que dizer aos novos moradores que continuam chegando de várias partes do país?
LIRA: A gente percebe que os jovens estão fugindo da política, de assumir a condução das comunidades, das entidades, percebo os jovens acomodados. Isso preocupa, porque a nossa leva de políticos e lideranças está envelhecendo e ficando cansada e precisamos de jovens que realmente tomem posição e tomem a frente na comunidade. Temo que venha a faltar lideranças, precisamos de jovens que assumam papéis de liderança, tanto na igreja, como na comunidade e na política. Hoje é difícil falar em política para os jovens diante do cenário que se vê no Brasil, por conta disso, talvez, pessoas honestas, pessoas boas, não entram na política e isso é ruim, porque acaba dando lugar para pessoas que não têm muito interesse na coletividade. Pessoas de bem têm que entrar na política. Conclamo aos jovens que façam parte das comunidades, sejam líderes e participem da política, porque nossa vida sem política não existe, a nossa vida gira em torno da política, até dentro da nossa casa, quando tomamos decisões, estipulamos regras, isso é política. Assim é na comunidade, no município, no estado e no país, então, nós temos que participar da política, não podemos nos ausentar, nos esconder, nos omitir, porque a omissão também é pecado. não adianta siar por aí criticando os políticos se você se omitiu, se escondeu, cada um tem que fazer sua parte. Então, comece participando no seu bairro, na sua comunidade, vamos eleger vereadores novos, prefeito que saia do meio de uma sociedade que pensa diferente, e assim, deputados, governador, presidente. Não podemos nos omitir.